Existem duas hipóteses em
que o afastamento cautelar da função pública deve ser admitido: uma é para
evitar a prática de novas infrações penais, garantindo assim a ordem pública; a
outra é quando o agente público está interferindo negativamente na produção das
provas, o que compromete a conveniência da instrução criminal.
Com duas alterações
importantes no nosso Código de Processo Penal Brasileiro, as Leis n.º 11.689/08
e 11.719/08, o legislador focou em conferir celeridade à instrução processual.
Por seu turno, a Lei n.º 11.690/08 trouxe alterações nos dispositivos relativos
à matéria de prova, atribuindo mais valor as provas produzidas em juízo, desde
que submetidas ao contraditório e a ampla defesa, bem como tratou da questão
das provas ilícitas, no que regulamentou matéria já trazida pela Constituição
Federal de 1988 (artigo 5º, inciso LVI).
Há mais de 10 (dez anos),
com o advento da Lei n.º 12.403/11, que trouxe reformas relevantes quanto aos
aspectos da prisão, da liberdade provisória., da fiança, trazendo a disciplina
de uma série de medidas cautelares que podem ser aplicadas durante o curso das
investigações ou no transcorrer do processo, dentre elas a previsão do
afastamento do gestor público, por meio da suspensão do exercício da função
pública.
É bem verdade que as medidas
cautelares em geral somente podem ser impostas de forma excepcional, quando
presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. Na seara
processual penal, o fumus boni iuris está relacionado à viabilidade do processo
principal, indicando a real possibilidade de condenação do acusado na ação
penal. E o periculum in mora consiste na demonstração de que a medida é
necessária para garantir o regular desenvolvimento do processo ou das
investigações.
Mesmo que conste da redação
do comando legal a expressão função pública, a medida pode ser estendida aos
agentes públicos em geral, sejam titulares de cargos efetivos, cargos
comissionados, empregados públicos ou contratados em geral. Para a Lei, o que
importa é a condição de agente público e a possibilidade da utilização do cargo
para a prática de ilícitos penais, sabendo-se que na prática a medida é
utilizada principalmente nos crimes praticados contra a administração pública
(peculato, corrupção, prevaricação, fraude à licitação).
O Código de Processo Penal
em seu artigo 319, inciso VI, do, a suspensão do exercício da função pública
pode ser decretada quando houver probabilidade, em cada caso concreto, de sua
utilização para a prática de ilícitos.
Uma dúvida que surge é se um agente público pode ser temporariamente afastado de suas funções por conveniência da instrução criminal, caso verificada a possibilidade da utilização do seu cargo para impedir e/ou dificultar a produção de provas.
À luz de uma interpretação
literal, a resposta parece ser contrária. Conforme disciplinado pela lei
(artigo 319, inciso VI, do Código de Processo Penal), a suspensão do exercício
da função pública é permitida apenas "quando houver justo receio de sua
utilização para a prática de infrações penais".
De acordo com o artigo 282,
caput, do Código de Processo Penal, permite que medidas cautelares em geral
devam ser aplicadas quando necessárias para a investigação ou instrução
criminal, o que, prima facie, tem o condão de autorizar o afastamento do agente
público por conveniência da instrução criminal.
Já que essas determinadas
condutas, por si, justificam a prisão preventiva, seria inconsistente não se
vislumbrar a hipótese de afastamento cautelar do agente público. Até porque, em
relação a prisão preventiva, o afastamento é uma medida menos severa — tanto
que o artigo 282, § 6º, do Código de Processo Penal estabelece que "a
prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição
por outra medida cautelar" —, parece razoável admitir a hipótese do
afastamento cautelar quando necessário para garantir a instrução processual.
Ao examinarmos o artigo 312
do Código de Processo Penal, tem-se que a prisão preventiva pode ser decretada,
entre outras circunstâncias, por conveniência da instrução processual, quando
ela tem como objetivo principal garantir a produção de prova, como no caso de
comprovada ameaça a testemunhas, ocultação de documentos e destruição de
provas.
Além disso, na esfera cível,
o afastamento cautelar do agente público já é previsto através da Lei de
Improbidade Administrativa "quando a medida se fizer necessária para
garantia da instrução processual" (artigo 20, parágrafo único, da Lei n.º
8.429/92).
Portanto, sob o prisma do
princípio da proporcionalidade, é razoável inferir que o afastamento cautelar
da função pública deve ser permitido não apenas para evitar a prática de novas
infrações penais (garantia da ordem pública), mas também quando vislumbrada a
possibilidade de o agente público interferir negativamente na produção das
provas (conveniência da instrução criminal). Tudo em consonância com a Lei n.º
12.403/11, que é evitar, quando possível, o aumento da população carcerária,
por decretações provisórias.
*EMILIO DUARTE -ADVOGADO